terça-feira, 27 de dezembro de 2011

MUSEU, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO

As coisas retidas na memória
acariciam a eternidade.

(Almandrade - Malababarismo das Pedras - ed MAC -
Feira de Santana - Ba. 2010)


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MUSEU, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO


Originário do ato de colecionar e preservar, os museus chegaram ao
século XXI como instituições indispensáveis à vida e à memória das
comunidades, pelo menos em teoria. Inseridos na vida das cidades e
amparados por políticas públicas de cultura, muito bem argumentadas no
papel, mas sem atrativos para atrair o grande público que prefere o
espetáculo dos shoppings ou o paraíso dos templos evangélicos, que
oferecem muito mais em troca de um pequeno dízimo: a memória do
futuro, a esperança de vida eterna.

Precisamos do bom humor para falar de museu, como no personagem do
romance "O Nome da Rosa". Hoje em dia, no Brasil, em particular na
Bahia, falar de museu, e nunca se falou tanto, corre-se o risco de
cair no discurso da reserva de mercado. Museus para que e para quem?
Fala-se em democratização e facilidade de acesso, mas campanhas
publicitárias são dirigidas para a divulgação de atividades reservadas
aos profissionais da área em detrimento de programas educativos para
formação de público. Como patrimônio público, qualquer cidadão tem
direito de entrar no museu e ver o que tem dentro dele. Mas é preciso
despertar o desejo de ver, de conhecer, de mergulhar na memória nele
depositada.

Precisa-se que alguma coisa seja previamente dada para provocar o
olhar, o pensar e produzir conhecimento. Poucos são seduzidos pelo
desconhecido, nem se produz conhecimento sem olhar o passado. "Não se
inventa idéias sem retificar o passado", (Bacherlard). Museu e
Memória, um tema para se pensar a reafirmação e a transformação da
cultura e da arte.  É um direito da comunidade, conhecer e refletir
sobre o passado, o presente e o futuro, e decidir sobre a memória que
deseja preservar.

Perdemos as referências do absoluto, e estamos às voltas com a
pluralidade. A memória como a realidade é construída em função de
interesses, paixões e desejos, e o que resulta, não é absoluto ou
universal. Cada um vê o que está no museu como lhe convém, da mesma
forma que coisas, objetos e linguagens chegaram ao museu por
interesses e critérios que não são absolutos nem indiscutíveis. Mas
nem por isso deixam de ser um patrimônio à espera do olhar clínico e
crítico.

Os museus se modernizaram conceitualmente, ressaltando sua importância
para a sociedade e o direito à memória. Os de arte, a partir da década
de 1960, foram ideologicamente questionados pelas vanguardas
artísticas, como o Minimalismo, a Arte Conceitual e a arte
contemporânea, mas sua estrutura não foi abalada, ao contrário; foi
reforçada. A autenticidade das experiências artísticas depende da
legitimação do museu.

Falar de museu de arte no Brasil é difícil não lembrar Mário Pedrosa.
Vejam a atualidade de seu pensamento, no texto "Arte Experimental e
Museus", publicado em 1960: "Diferente do antigo museu, do museu
tradicional que guarda, em suas salas as obras primas do passado, o de
hoje é, sobretudo, uma casa de experiências. É um paralaboratório. É
dentro dele que se pode compreender o que se chama de arte
experimental, de invenção." Esse lugar de experiências é também
ocupado por um acervo, é um lugar privilegiado do pensamento, da
crítica e do lazer criativo para uma apropriação consciente do
patrimônio.

Um museu não é uma instituição de eventos culturais, o que nele é
exposto não deve ser uma experiência isolada de uma política pública
de cultura, sem a responsabilidade de um conselho curador, formado por
especialistas da área. O gestor deve ser uma espécie de maestro que
rege uma orquestra de intelectuais, críticos e técnicos
especializados, para desenvolver enunciados para ser praticados e
estabelecer relações mais estreitas com a comunidade.

Dentro de uma cidade existem várias cidades, habitam várias culturas e
várias linguagens artísticas, algumas até contraditórias. O museu, em
particular o de arte, no seu acervo e na sua programação, deve
refletir essa pluralidade, porque ele não é o lugar da exclusão, e
sim; do confronto, do diálogo com diferentes manifestações, compatível
com a sua função e sua especificidade. Ele guarda uma história, e sem
o conhecimento da história, a experiência vira entretenimento.


Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)


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