terça-feira, 13 de novembro de 2012

ALMANDRADE - 40 ANOS DE ARTE


Almandrade


Francisco Antônio Zorzo

Professor da Ufba


 Essa é uma excelente oportunidade para se constatar a coerência do projeto estético do multi-artista e festejar o seu reconhecimento nacional.


Desde a década de 1970, Almandrade incorporou às suas peças a atitude crítica da arte contemporânea. Tendo uma formação universitária como arquiteto pós-Brasilia, veio a assumir uma posição autônoma em relação à geração anterior, que foi muito festejada na Bahia.


Nos primeiros tempos, orientou-se pela abstração construtivista, mas depois derivou por um caminho próprio. Em suas relações com artistas que circulavam ao nível nacional, se aproximou bastante dos criadores Hélio Oiticica e de Lígia Clark e de poetas como Dias Pino e Ferreira Gullar.


Uma lâmina de barbear pendurada dentro de uma garrafa compõe um objeto criado por Almandrade que gerou fértil polêmica. Como interpretar um objeto que incorpora significados múltiplos e cortantes, do vidro e do aço da realidade? Cada objeto construído depende do sentido agregado pelo artista e pelo espectador. Da parte do escultor, uma atribuição de sentido que lhe correspondeu a uma experimentação e a uma reflexão singular. No olhar do expectador a leitura pode ir do vértice do absurdo ao erotismo-vulgar de um corte na pele.


No livro que publicou recentemente reunindo análises realizadas no correr de sua trajetória, Escritos sobre Arte, Almandrade deu a pista para muito de seus truques e procedimentos operativos. O importante, no caso da produção desse artista "cult" baiano é que obras e discursos se traduzem um ao outro, bem como conservam sintonia com sua proposta estética. Essas reflexões são importantes, porque a estética engendrada não atendeu a nenhuma chamada gregária no sentido de banalizar a arte baiana.


Como pode um objeto ser capaz de, ao mesmo tempo, causar uma fruição direta e uma decodificação crítica? As obras de Almandrade primam pela simplicidade e pela economia de meios. Ele certamente está entre os menos barrocos produtores visuais do período entre os anos 1980 e 2000 no Brasil. Os objetos e pinturas discutiram sempre os conceitos em voga e instalaram a cunha de resistência de um pensamento rigoroso.


Para deixar mais um exemplo de suas criações, vale retomar um objeto que expôs numa galeria do Rio Vermelho, anos atrás. Um instrumento quadrado composto de duas peças sobrepostas, uma grande azul e uma pequenina dourada no meio, sendo a primeira delas vazada e riscada com linhas brancas. Esse objeto poético-visual foi denominado "Violão da Bossa Nova". Ao fazer soar esse violão quadrado soar, Almandrade conduziu, como um mestre, seu olhar reflexivo e solitário sobre os campos das artes e da cultura contemporânea no país.






ALMANDRADE

(Antônio Luiz M. Andrade)

Artista plástico, arquiteto, mestre em desenho urbano e poeta. Participou de várias mostras coletivas, entre elas: XII, XIII e XVI Bienal de São Paulo; "Em Busca da Essência" - mostra especial da XIX Bienal de São Paulo; IV Salão Nacional; Universo do Futebol (MAM/Rio); Feira Nacional (S.Paulo); II Salão Paulista, I Exposição Internacional de Escultura Efêmeras (Fortaleza); I Salão Baiano; II Salão Nacional; Menção honrosa no I Salão Estudantil em 1972. Integrou coletivas de poemas visuais, multimeios e projetos de instalações no Brasil e exterior. Um dos criadores do Grupo de Estudos de Linguagem da Bahia que editou a revista "Semiótica" em 1974. Realizou cerca de vinte exposições individuais em Salvador, Recife, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo entre 1975 e 1997; escreveu em vários jornais e revistas especializados sobre arte, arquitetura e urbanismo. Prêmios nos concursos de projetos para obras de artes plásticas do Museu de Arte Moderna da Bahia, 1981/82. Prêmio Fundarte no XXXIX Salão de Artes Plásticas de Pernambuco em 1986. Editou os livretos de poesias e/ou trabalhos visuais: "O Sacrifício do Sentido", "Obscuridades do Riso", "Poemas", "Suor Noturno" e Arquitetura de Algodão". Prêmio Copene de cultura e arte, 1997. Tem trabalhos  em vários acervos particulares e públicos, como: Museu de Arte Moderna da Bahia e Pinacoteca Municipal de São Paulo.

 



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AS ESCULTURAS DE ALMANDRADE


Cada uma das peças compõem-se de duas placas encaixadas que foram colocadas diretamente sobre o chão. As placas são recortadas e vazadas e não se empregam pregos, colas ou emendas.


Para se traçar um paralelo dentro da arte contemporânea dessas peças com objetos de outros artistas, seria interessante dizer que as esculturas de Almandrade mantém uma certa identidade com as de Franz Weissman e Amílcar de Castro. O construtivismo, a economia material e a escolha de cores simples são conceitos presentes na obra dos três artistas. No entanto, há elementos de distinção. Franz Weissman e Amílcar de Castro usam solda ou dobra na confecção de seus objetos.


Almandrade usa como procedimento de montagem o encaixe direto, onde os planos de madeira laminada se interpenetram e se apoiam mutuamente.


O fato de não haver dobra nas peças de Almandrade é um índice importante para a análise de sua obra. Almandrade intencionalmente mantém uma distância do barroquismo, do expressionismo e de outras tendências do tipo sensual muito recorrentes na arte baiana e brasileira.


O barroco tem muitas seduções. A dobra que vai ao infinito é um artifício barroco que ultrapassa sua própria moda e seus limites históricos (ver Deleuze em A Dobra, Leibnitz e o Barroco). Com a dobra, a escultura ganha uma vibração especial, estendendo-se à arquitetura e alcança espaços cada vez mais amplos. Trata-se de uma ilusão de ótica que realmente abre um campo de significados.


As peças de Almandrade não possuem a dobra, evitando o seu ilusionismo. A dobra na escultura permite a mudança de plano sem rupturas de continuidade. O olhar que acompanha um plano ao passar pela dobra aceita a mudança de direção e é convidado a avançar sucessivamente até deslizar em uma outra dobra. A dobra provoca um despistamento que, se por um lado seduz, por outro distrai o expectador. Pode-se dizer, além disso que a ambivalência da dobra percorre uma espiral que vai do desejo à melancolia. Ao suprimir a dobra Almandrade parece estar procurando evitar a dispersão intelectual e o efeito de superfície.


Curiosamente, nos retábulos barrocos brasileiros, no entanto, as peças de madeira que sustentavam as dobras e curvas das superfícies ornamentadas, eram montadas com encaixes. Esses encaixes tinham que ser perfeitos em sua geometria. O barroco recorreu em suas bases construtivas a técnica do ensamblamento. Ensamblar significava, no dicionário de arquitetura e ornamentação, reunir, juntar, encaixar peças de diversos materiais. Um glossário do barroco mineiro traz uma referência documental, datada de 1771, referente à construção de uma igreja em Sabará, de um "ensamblamento" de pedras, com ferro e chumbo.


As peças reunidas nos retábulos de madeira das igrejas barrocas deviam ser ensambladas, quer dizer, encaixadas uma nas outras, sem a necessidade de recorrer-se a pregos ou colagens.


Nesse sentido as peças de Almandrade contém um ar clássico que, pode-se afirmar, continua atravessando até hoje, energicamente, o mundo material das artes plásticas. Esse trabalho parece estar respondendo a pergunta fundamental, o que assegura a expansão expressiva infinita (da arte, da imaginação, das dobras) em relação ao portador finito (a madeira, o ferro, a pedra)? Qual é estrutura construtiva, quais são os encaixes e as articulações que permitem a realização de uma obra?


Francisco Antônio Zorzo

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Bibliografia

Ávila, Affonso et. Al. Barroco Mineiro Glossário de Arquitetura e Ornamentação




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